Escrevi uma carta e postei no correio. Faz mais de uma semana e a carta não chegou. Há mais de uma semana não penso em outra coisa se não em onde poderá estar minha carta e porque ela não chega.
Contemplo fazer uma reclamação formal, mas no site só é possível reclamar de objetos com registro. A minha carta não tem registro. Está à mercê da sorte e do sistema dos Correios.
Era uma carta para uma amiga. Escrita no dia de seu aniversário e carregava como presente pequenas palavras e alguns adesivos. Nada de valor, poderia se dizer. Mas um valor inestimável. O envelope escolhido carinhosamente. Os adesivos também selecionados. As palavras rascunhadas e depois desenhadas caprichadamente em caneta colorida sobre uma folha estampada. E agora, perdida, extraviada, desviada de seu destinatário.
Quando a moça dos Correios perguntou se eu queria registrar a carta, eu disse que não precisava. Me arrependi em seguida sob o olhar recriminador da agente. Como se ela soubesse que as cartas simples não chegam. E tive uma intuição de que aquela carta não chegaria. Por que não mudei de ideia e pedi o rgistro? Talvez porque estivesse com pressa e tivesse uma fila atrás de mim e mudar de ideia dá muito trabalho e eu estivesse plena de certeza que os Correios não me falhariam. Nunca me falharam. Exceto uma vez.
O ano era 2013 e eu gozava de um privilégio sem precedentes. Estudava na Inglaterra, numa das melhores universidades do mundo, com meus estudos custeados pelo governo brasileiro. Mas não vou falar disso agora. O que importa é que naquela época eu enviava muitas cartas para familiares e amigos. Gastava parte da minha mesada em libras para postar cartas, fotos e até presentes pelo correio. Me divertia escolhendo papéis de carta, fechando os envelopes.
No Natal, enviei cartas para meus avós, minha tia-avó, minha mãe, meu pai, minha madrinha, minha prima. Todos receberam cartões de Natal e fotos minhas reveladas (outra despesa frequente). Para um amigo muito fã do Totoro, enviei uma pequena pelúcia do bichão, junto com uma carta, uns origamis e não lembro mais o quê. Ele ficou muito feliz com o presente e anos mais tarde o Totoro comprado em Chinatown enfeitava o berço de sua filha. Para minha mãe, enviei outro pacote, maior. Dentro tinha uma carta, um livro, e uma bolsa preta e branca, a cara dela. Postei no mesmo dia que o Totoro. O Totoro chegou. A bolsa ficou retida em algum lugar do Brasil.
Os envios da Inglaterra tinham registro até saírem do país. Depois disso, era preciso rastrear o objeto no sistema brasileiro. Guardei o recibo até pouco tempo. Talvez ainda o tenha. Voltei para a casa em fevereiro, pouco depois do Natal, e uma das minhas primeiras missões em solo caseiro foi ir até a agência dos Correios perto de casa. A mesma onde hoje posto minhas cartas. Expliquei a situação, mostrei o recibo inglês. Nenhum pacote com aquelas características havia chegado ali. Talvez tivesse sido retido na Alfândega. Ou em outro posto de distribuição. O jeito era esperar.
Cheguei a escrever para a administração do campus onde eu morei para saber se a encomenda tinha sido devolvida para lá. Mas nada apareceu.
Minha mãe não ficou sem os presentes. Quando meu amigo escreveu agradecendo o Totoro, perguntei a ela se tinha recebido o pacote. Negativo. Por precaução, achei melhor comprar outra bolsa e levar na mala para o Brasil, não era cara. Fiz bem. Ela ficou muito feliz e a usa até hoje. O livro, algum tempo depois encontramos numa livraria, já traduzido. Compramos e ela gostou. Mas a carta que escrevi para ela naquele Natal, essa nunca chegou. Se perdeu para sempre no sistema postal.
Talvez a carta não tivesse nada muito especial. Nada que eu já não tenha dito para a minha mãe em alguma época da vida. Mas me doeu ela não ter recebido aquela carta. Porque embora eu não me lembre das palavras, me lembro de todo o carinho que depositei naquele envelope, naquele pacote. Assim como o carinho que enviei para minha amiga que aniversariava.
Dez anos depois, voltei a escrever e postar cartas. E a fazer e revelar fotografias analógicas. E a ser atormentada por uma angústia: para onde vão as cartas que não chegam?
Ao contrário das histórias que relatei, espero que esta carta virtual chegue. E que os textos que eu escrever aqui, façam algum sentido para quem me lê. Mesmo que sejam Cartas para Ninguém.
Sou Luiza Leite Ferreira, poeta, jornalista, tradutora, revisora. Autora de “É na cacofonia que eu me escuto” e de outros projetos poéticos em andamento. Faço um monte de coisas ao mesmo tempo, escrevo cartas, tiro fotos, dobro e colo papéis e às vezes compartilho o que escrevo. Essas Cartas para Ninguém são um exercício de partilha – um grito no vazio na esperança de ouvir algo além do meu próprio eco.
P. S.: Enrolei o dia todo para publicar esse texto e o final dessa história mudou. Ainda bem.
Passei a semana pensando na carta extraviada. Uma angústia só. Decidi rezar para Santo Antônio, que além de santo casamenteiro, também ajuda a encontrar coisas perdidas. Resultado: o santo é forte e o correio brasileiro é digno de confiança sim. A carta chegou e minha amiga ficou radiante. Minha carta cumpriu seu propósito. Espero que essa aqui cumpra também.
A amiga, aliás, é a Paula Maria, da newsletter Te escrevo cartas, um dos meus estímulos para vir aqui escrever. Ela também é poeta e está lançando seu segundo livro, Caminhos curtos para caracóis. Que tal deixá-la ainda mais radiante contribuindo com a sua pré-venda?
Até a próxima carta!
Com carinho,
Luiza
Lindo texto! Escrever cartas hoje faz a gente entrar numa temporalidade diferente, né? A gente recua no tempo e tem a oportunidade de examinar melhor sentimentos, relações, expectativas... enfim, obrigado pela partilha!
Que linda sua carta, Luiza! Fiiquei super emocionada com suas palavras, chorando feito boba. Essas histórias sobre cartas e Inglaterra mexem comigo, tenho o cartão que mamãe me enviou no aniversário de 8 anos, enquanto ela estava lá pelas terras da rainha. Isso foi na década de 1980, quando tudo o que a gente tinha era o Correios e as ligações telefônicas eram muito muito caras. Vida longa a sua newsletter ❤️