Sexta-feira, 21 de junho de 2024
Hoje eu tentei salvar uma abelha que parecia estar se afogando na piscina.
Eu tenho medo de abelhas, já fui picada várias vezes na infância e não sou muito afeita a insetos em geral, mas tenho tentado ser gentil com eles, entender seu papel no mundo e ajudá-los quando possível.
Então eu fiz uma concha com as mãos bem abaixo de onde a abelha estava esperneando, mas mesmo com a água entre nós eu sentia as perninas da abelha se esgueirando pra perto das minhas mãos e isso me deu nervoso, eu já fui picada por abelhas algumas vezes e não é muito agradável, então acabei jogando essa concha de água e abelha na borda da piscina, o que não foi nada gentil. Fiquei observando a abelha esperneando com as patas pra cima, reuni coragem para cutucá-la na cabeça e fazê-la se virar com as patas no chão. E fiquei esperando ela se secar e alçar voo.
Para minha surpresa, a abelha foi caminhando, caminhando, em direção ao limite da borda com a piscina, e para o meu espanto, se jogou na água de novo e seguiu esperneando para longe de mim. Fiquei sem entender nada e achei melhor deixá-la quieta.
Essa poderia ser uma fábula de autoajuda com a mensagem que não adianta salvar quem não deseja ser salvo, mas achei que a ficção seria mais interessante. Quem sabe aquela abelha só queria aprender a nadar e eu estava atrapalhando o seu processo? Ou talvez ela tivesse perdido alguma coisa muito importante na água e estivesse tentando desesperadamente recuperar? Ou ela simplesmente não quisesse mais saber de levantar voo e viver na colônia e quisesse viver uma vida nova debaixo d’água? Quem sabe o sonho dessa abelha era atravessar uma piscina a nado? Ou talvez ela estivesse apenas tomando banho.
Cientistas descobriram recentemente que há uma espécie de abelhas da América do Norte que é capaz de sobreviver por até uma semana debaixo d’água. Como as melhores descobertas, essa foi feita inteiramente por acaso, alguém deixou entrar água sem querer num tanque onde tinha abelhas-rainha em hibernação e só depois repararam e constataram que elas estavam bem. Depois do acidente eles refizeram o experimento seguindo os protocolos adequados e especularam que essa habilidade pode ser um mecanismo de sobrevivência mesmo, em caso de enchentes etc.
A abelha da piscina não era uma abelha-rainha, muito menos dessa espécie do estudo, mas isso não quer dizer que ela também não consiga sobreviver na água. Quem sabe? Às vezes as abelhas sempre souberam se locomover com suas patinhas por grandes corpos de água e nós é que nunca reparamos. E sem dúvidas fazer essa travessia em uma piscina onde não há predadores é muito mais agradável que encarar um lago, um riacho ou um braço de mar.
Não sei qual o destino dessa abelha, se ela continua esperneando na piscina, se finalmente levantou voo ou se sucumbiu ao cansaço. Sei que há muitas histórias acontecendo o tempo todo das quais nós humanos não somos protagonistas, muito menos fazemos parte. Muitas vezes estamos só atrapalhando.
Faz bem lembrar disso de vez em quando.
Bastidores
Eu comecei a escrever esse texto no dia mesmo do ocorrido. Como estava com preguiça de digitar, usei a função de fala para texto do whatsapp e enviei para mim mesma. Porém, apertei o botão errado e acabei apenas gravando um áudio pra mim mesma, sem converter para texto automaticamente. Hoje, domingo, tentei converter o áudio em texto usando uma inteligência artificial e o resultado foi o seguinte:
Desse texto que não capta metade dos quase 8 minutos de áudio, compus dois poemas ligeiros e meio ruins:
I.
hoje eu tentei salvar uma abelha
de se afogar na piscina
mas mesmo assim
eu fiquei com muito nervoso
então eu fiz uma concha de água embaixo dela
e eu a joguei para a Borda
Talvez não tenha sido a maneira mais Gentil de fazer isso
mas ao contrário disso ela foi voltando
ela foi caminhando de volta
para mais perto da beira do Sul
mais perto da borda
saindo do chão de pedra
– pedra de São Tomé –
em direção ao azulejo liso
a Divisa
entre a borda e a parede da piscina
eu fiquei sem entender nada
isso poderia ser uma fábula
mas não foiII.
Descobriram que as abelhas são capazes de sobreviver embaixo da água
tem vários dias, parece
li em algunm lugar
escolheram algumas abelhas
e botaram junto com água
e ficaram observando
quanto tempo elas sobrevivem embaixo da água
a gente aqui nunca presta atenção
nem no laboratórioPreste atenção também
às criaturas e coisas deslumbrantes
quantos quilômetros proporcionais ao tamanho da abelha até os oceanos
para fazer suas aulas de natação
seu objetivo
não desistiu
Acabei recontando a história toda a mão mesmo, editando algumas partes. Mas o áudio original está aqui, se tiver interesse em ouvir.
Recomendações
Para ler📚
Autobiografia de um polvo e outras histórias de antecipação, Vinciane Despret. Bazar do Tempo
As águas-vivas não sabem de si, Aline Valek. Rocco.
O pensamento vegetal: a literatura e as plantas, Evando Nascimento. Civilização Brasileira.
Água viva, Clarice Lispector. Rocco.
Animalidades: zooliteratura e os limites do humano, Maria Esther Maciel. Instante.
Abrir a boca da cobra, Sofia Mariutti. Círculo de Poemas.
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coisa boa esse teu texto :)
eu tambem tenho medo de abelhas que picam, mas descobri que existem no brasil muito mais abelhas que nao tem ferrão do que as que tem, ai fiquei mais calma.