Tento me lembrar desde quando escrevo cartas. Parece que sempre as escrevi.
Aprendi a escrever cartas na escola, mais ou menos no quarto ano (antes se dizia terceira série). Era um projeto das aulas de português. Aprendi a escrever meu endereço no envelope e a colecionar endereços de amigos. Não postávamos no correio, mas numa caixa que ficava dentro da sala de aula. Gostava da emoção de enviar e receber cartas. Na verdade, gosto até hoje.
Encontrei dia desses uma carta da minha prima-irmã, de quando éramos adolescentes. Essa sim, postada no correio, com seu endereço de Volta Redonda escrito em letra cursiva no envelope azul de bolinhas brancas.
Meus pais quando viajavam me enviavam postais. Breves considerações sobre a cidade em que estavam e a saudade que sentiam. Carimbos de correio e cantinhos amassados. Comecei a colecionar postais.
Antes de eu nascer, meus pais trocaram cartas de amor. Nunca as li.
Na adolescência, trocar bilhetinhos entre as amigas era uma prática corrente, mas em vez de envelopes, fazíamos dobraduras caprichadas nas folhas de fichário para selar nossas cartas.
Tive um namorado com quem trocava poemas – em vez de cartas – em um caderno – em vez de envelopes.
No ensino médio, as aulas de redação às vezes exigiam a escrita de cartas. Eu comemorava, preferia cartas aos textos dissertativos. Podia inventar o que eu quisesse. Minha redação do vestibular da UFF foi uma carta, não lembro exatamente qual era o assunto, mas sei que o texto foi bom o suficiente para garantir minha entrada no curso de Jornalismo.
Revirando meus guardados, encontrei a seguinte carta, exercício de redação de 2008:
Meu querido M.,
Organizando minha vida e vasculhando meu passado, encontrei lembranças suas. Cartas, fotos, bilhetinhos... Tive saudades daquela época tranquila em que sonhávamos e éramos felizes.
Ainda me lembro daquele primeiro beijo, no pátio do colégio, há tantos anos. Você foi meu primeiro e único grande amor. Ah, e como era bom amar você! Todo dia trazia-me uma surpresa (um poema, uma flor, um bombom...) e eu agradecia, tímida e apaixonada.
Aquele maravilhoso verão na praia, nós dois um pouco mais velhos, mas farreando como duas crianças. Minha felicidade era estar ao seu lado, e você bem sabe que nunca vivi bem sozinha.
Mas, depois daquelas férias, você partiu. Te levaram para longe e nunca mais nos reencontramos. Sofri. No fim, acho que foi melhor assim. Sempre soube que você não ficaria comigo para sempre; sua partida prematura fez meu tolo coração crer que podia ter sido eterno.
O tempo passou, tudo mudou. Eu, você, o mundo. Só não mudou a lembrança que tenho do nosso amor adolescente; até hoje o meu amor mais precioso, o maior de todos que já tive.
Enfim, soube que você tinha voltado e quis te escrever, só para saber como está. E talvez reacender a chama daquela paixão longínqua no tempo. Ou apenas relembrar o passado como velhos amigos.
Se quiser me encontrar, sabe onde vou estar.
Com amor,
B.
Fui uma adolescente muito romântica e dramática, como é possível ver. Muito influenciada na época pela Luísa de O primo Basílio e seu “luxo radioso de sensações”. Embora minhas experiências amorosas ainda fossem frescas e alegres, minha ficção já me preparava para desfechos agridoces e novelescos.
Hoje troco cartas com uma amiga escritora, envio livros pelo correio em pacotes caprichados com bilhetinhos e dobraduras. Outro dia enviei um pacote para a Suíça com aleatoriedades de papel – livro, bilhetes, panfletos, cartões, adesivos – para celebrar o aniversário de um amigo. Todo o carinho que coube num envelope A5.
Mas as cartas de amor ficaram na ficção. Não por falta de amor ou interesse; mas porque (re)encontrei no poema uma forma de eternizar o sentimento e torná-lo universal. Cartas, afinal, precisam de destinatário. Já a poesia não precisa de endereço para chegar a quem quer que seja.
Todo amor que transborda de mim
verto em pequenos gestos:
um elogio sincero
um abraço apertado
uma louça lavada
uma massagem nos pés
uma varrida na casa
uma carta bem escrita
um bule de café
um beijo bem dado
um salto de féTodo amor que transborda de mim
sempre encontra endereço
Correio elegante, poema do meu novo livro “Amor recreativo”, em pré-venda pela editora Patuá.
Amor Recreativo
Mais antiga que a minha escrita de cartas só a minha escrita do amor. Em meus diários de criança com letra garranchada eu escrevia sobre os meninos de quem gostava. Hoje eu diria que criança não namora, mas naquela época, tinha orgulho das minhas paixões infantis: a primeira aos 4 anos, ainda na creche; e a segunda, aos 8, com direito a um drama rocambolesco: primeiro eu o pedi em namoro, ele disse não; no dia seguinte, ele me pediu, eu disse não. Duas negativas formam um positivo e teve início nosso breve namoro. Mal conseguíamos andar de mãos dadas.
De quem você gosta?
Era a pergunta que se repetia
quase todo dia no recreio da escola
R. gostava de M. que gostava de E. que gostava de J.
Só de dizer que gostava já era motivo pra virar chacota.
Mesmo assim, respondi certa vez: gosto de seteA comoção não ultrapassou o recreio,
e eu sabia que gostar não era igual a amar
mas naquele dia, por pelo menos meia hora,
amei todos os garotos da minha sala
sem distinção.– Amor recreativo, poema do novo livro homônimo, em pré-venda pela Patuá.
Dos 11 aos 14 alimentei uma paixão platônica que me rendeu poemas sôfregos e me impediu de enxergar quem gostava de mim de verdade – se bem que, o que é gostar de verdade nessa idade?
Os namoros adolescentes foram tingidos de ardor, urgência e um senso de “pra sempre” que só existe na ficção. Aprendi com a maturidade que “pra sempre” é furada – o que não me impede de seguir amando para sempre neste agora.
Mas toda história de amor não estaria completa sem desilusões. Afinal, apaixonar-se invariavelmente implica em criar fantasias, idealizações e expectativas sobre a pessoa amada e o relacionamento que muitas vezes caem por terra. Tombamos de amor e tombamos por causa do amor. Quebramos a cara, juramos nunca mais entrar nessa roubada. E voltamos a mergulhar de cabeça. De novo e de novo.
Amor Recreativo, meu novo livro que brinca com a ideia séria de amar, desamar e fantasiar o amor, é um mergulho no vinho do amor de Tristão e Isolda, com reflexões da ressaca que vem depois. Os poemas românticos foram escritos em estado de enamoramento, sob as lentes cor-de-rosa das possibilidades; os de desamor foram escritos sob a luz fria da realidade, depois de rolarem muitas lágrimas. E no meio disso tudo tem poemas sobre amores platônicos, do ídolo de Hollywood ao professor da faculdade, lições de autoamor e fé no processo de se apaixonar e reapaixonar.
Na página da pré-venda você pode ler mais alguns poemas que compõem o livro, além dos que eu trouxe aqui em exclusividade. E, se gostar, vou ficar muito feliz se puder comprar e apoiar o meu trabalho. Além dessa capa rosa bonitona, tem mais 5 opções disponíveis para você escolher – mas só durante a pré-venda.
Também dá para ouvir Amor Recreativo – ou pelo menos sentir o clima desse livro através de playlists cuidadosamente criadas por mim para aplacar a ansiedade enquanto o livro estava em processo de edição. São 4 playlists, uma para cada parte do livro: I. Recreio, II. Fantasia de casal, III. Quarta-feira de Cinzas e IV. Na pista. Aqui embaixo vai uma amostra da primeira playlist da série:
O que eu li essa semana 📚
Dos nossos corações nascem revoluções, da Daniela Baiense (Caravana, 2023).
A edição 11 – Asas da revista Contos de Samsara, que publicou meu conto Asas de Papel. Você pode baixar e ler a revista gratuitamente aqui.
Flip: modo de usar, um pequeno guia elaborado pelo
sobre como aproveitar bem a festa literária mais charmosa do Brasil.A última edição da
, que esse mês abriu espaço para promover autores de newsletters em ascenção, então cada semana vai ter texto de gente nova. Essa semana foi a vez do que escreveu um texto maneiríssimo ligando Gilberto Gil e afrofuturismo – uma conexão que tava na cara pra todo mundo ver e eu nunca tinha feito. 🤯
Agenda 📅
Pré-venda de Amor Recreativo. Comprando na pré-venda você me ajuda a garantir que o livro será impresso sem custos para a autora e ainda poderá escolher entre várias opções de capas coloridas lindíssimas.
Quarta-feira, 08/11 às 15h acontece um encontro presencial com as poetas Calí Boreaz e Roberta Tostes Daniel na UFF, com mediação do também poeta Fábio Pessanha.
Estão abertas as inscrições para fazer parte da equipe de poetas da Fazia Poesia, esse misto de coletivo poético com revista literária do qual faço parte desde 2022. Para quem escreve poesia e procura um espaço para publicar seus poemas com visibilidade e acolhimento, eu recomendo que se inscreva. A
também promove cursos e oficinas e participa de eventos literários, como a Feira Motim. Em setembro publicaram essa linda coletânea de poemas meus lá no portal, dá uma olhada.A Festa Literária Internacional de Paraty acontecerá de 22 a 26 de novembro e estarei lá no estande do Coletivo Escreviventes e possivelmente na Casa Gueto, lançando o livro novo. Inclusive, o financiamento coletivo da Casa Gueto, que reunirá mais de 20 editoras independentes inclusive a Patuá, está nos últimos dias. Tem vários níveis de apoio e todos incluem brindes bacanas, como livros, ecobags, canecas, cadernos e até camisetas.
E a rifa para financiar a minha presença na FLIP ainda está rolando! Me mande uma mensagem lá no Instagram (@lulumilk) se quiser participar ;)
Tudo que li desse novo livro tá ainda mais lindo que o anterior. Voa, Luiza!
Que belezura de newsletter❤️