Chegar em casa. Tirar os sapatos e se atirar no sofá. A roupa colada no corpo suado de tanto dançar, a maquiagem caprichada uma mera lembrança. O corpo quente quer continuar dançando, mesmo que os pés não aguentem mais. Ainda se escuta as batidas da músicano fundo dos ouvidos, a mão erguida pede mais uma pro DJ e sente falta de um copo de bebida. A festa podia ter durado mais. Olha pra janela, o sol te cumprimenta com uma alfinetada no rosto, como o porteiro que dá bom dia quando você chega de madrugada. Não tem jeito. É hora de despir a fantasia.
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Não é à toa que o maior evento literário do país é uma festa e não uma feira. Ir à feira pressupõe fazer uma lista, vestir roupas e sapatos confortáveis, bater perna, pesquisar ofertas e voltar pra casa com as sacolas cheias. Talvez no caminho ouvir uma música, parar pra ver uma performance de rua, cumprimentar conhecidos. Entra-se e sai.
Já uma festa é um acontecimento. Você se arruma, escolhe a melhor roupa, veste a máscara mais charmosa, pronta pro que der e vier. Conhece gente interessante e tenta se mostrar interessante, depois duvida se é de fato interessante. Normal ter uma crise de autoestima numa festa. Mas nada que um copinho de cerveja ou capirinha Jorge Amado não resolva. Na dúvida, sorria e beberique. Todo mundo está ali para se divertir, literatura é secundário.
E quando você relaxa, a magia de fato acontece. A festa da firma vira festa mesmo e não importa se você tem um Jabuti ou um livro em financiamento coletivo; estamos todos na mesma rua, na mesma fila pra pegar cerveja no ambulante que acabou de chegar. Brindam os com e sem fama, o que importa é o amor pela escrita. E saber qual a boa depois que essa festa acabar.
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O melhor da festa é esperar por ela, dizem. E a espera de fato tem todo um frisson. A promessa da festa parece melhor que a festa, Clarissa Dalloway concordaria comigo. Você se planeja; arruma a mala com livros, vestidos de verão e galochas. De última hora lembra que precisa promover o livro novo, ainda no prelo, e corre para a gráfica para materializá-lo em forma de panfletos. Passa a véspera costurando livretos que ficarão escondidos numa estante que ninguém virá inspecionar. Organiza um cronograma, anota os endereços importantes, prepara suas apresentações. A magia do antes é poder ser tudo. Só depois sabemos o tamanho do que foi — e se, de fato, valeu esperar.
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Depois da festa, o silêncio. A luz apagou, a música parou, o povo sumiu. E agora, Luiza? Luiza, para onde?
De volta à realidade. A rotina espera e tem gosto de ressaca que nem Engov resolve. Óculos de sol para aplacar a luz da fria normalidade. Não se pode viver só de festa. Em casa, os prazos esperam, os boletos não perdoam, todo esse prazer será justamente compensado por uma boa dose de labor. A festa parece um sonho distante. Um sonho que nos alimentará — até a próxima festa.
Meus destaques da Flip
O mais especial dessa minha terceira edição como autora foi poder falar da minha experiência de escritora. E ter gente para me ouvir! Foram três ocasiões: uma mesa sobre o espaço das mulheres na literatura na Casa de Leitura e Conhecimento de Paraty, com apoio da SECEC-RJ, ao lado das minhas amigas Andreia Fernandes, Elaine Araújo Brito e Isa Martins. Foi um sucesso!
Na mesa de poesia da Casa Pagã, tive trocas bem interessantes sobre inspiração e processos de escrita com poetas que conheci ali, das quais destaco a Lolita Beretta, semifinalista do Prêmio Oceanos com seu livro Caminhávamos pela beira, publicado pela
.Já na mesa sobre amor na Casa Gueto, amei conhecer a Thaís Gurgel e seu O amor acaba nos almoços de domingo. Falamos dos paralelos entre o seu livro e o meu Amor Recreativo, sobre as forças que nos impelem a amar, desejar, se apaixonar, superar o fim de um amor — e escrever sobre isso.
Além dessas falas, o lançamento da plaquete Repara a bagunça da Casa das Poetas também foi muito especial. Abracei três das seis poetas que integram nosso coletivo-clube de leitura e autografamos muitas plaquetes na Noite Primata da Casa Gueto. Fomos até prestigiadas pela Lilian Sais, autora de O livro do figo que lemos no clube em setembro.
Depois de toda essa agenda literária, as festas. Todas. Mesmo quando a fila da bebida ou do banheiro era quilométrica e o DJ parecia querer nos expulsar tocando Los Hermanos (nada contra, mas é bem fim de festa). As conversas, os olhares, o ver e ser visto, sempre valem a pena. E de onde menos se espera, as conexões. Um brinde com Jorge Amado, um convite para descobrir o outro lado da ponte em busca de funks e forrós na vã tentativa de esticar a noite e adiar as despedidas.
Um vício é lamentar as coisas que não fizemos. Não apareci nas fotos de autores da Patuá e da revista Contos de Samsara, perdi Camila Pitanga e Luís Antônio Simas, cheguei tarde pra festa do sinal, não vi as performances de Mar Becker e Lilian Sais, nem o Inferninho de Natasha Felix ao som do escritor e DJ Kalaf Epalanga.
Porém, fiz um bocado de outras coisas. Vi Bruna Mitrano no auditório na mesa principal, ouvi Marcela Dantés e decifrei o italiano de Ilaria Gaspari pelo telão, aprendi sobre João do Rio com Marcelo Moutinho na Casa Flip + CCR, ouvi Sofia Mariutti na Casa Sete Selos, vi Luiza Romão e Julia Raiz no Sesc, conheci meus novos editores da Cachalote, troquei ideia com colegas de editoras, bebi Jorge Amado na latinha, almocei um bobó de camarão delicioso conversando com uma jornalista que vivia sua primeira Flip, visitei o puxadinho da
, vi minhas amigas falando de poesia e prêmios literários, vendi livros, troquei livros, tirei fotos na belíssima Rua do Fogo, tomei um chá de cadeira de uma cafeteria chique, falei poemas na casa e na praça, dancei forró na areia, abracei amigas de internet ( ❤), encontrei velhos e novos amigos, e até vi a lendária performance do Sarau Erótico da Casa Gueto. E o mais importante: não caí nas pedras de Paraty.Toda Flip deixa um gostinho de quero mais e não é à toa. Como uma sereia, Paraty entoa um canto que nos chama a ir de novo e de novo. Uma vez que você vai, sempre quer voltar.
Depois da Flip
Tive um chorinho de festa literária com o XIX Seminário Mulheres e Literatura que rolou na UFF semana passada e reuniu pesquisadoras e pesquisadores de literatura feita por mulheres, além de escritoras contemporâneas maravilhosas que tive o prazer de ouvir, conhecer e rever, como Ana Elisa Ribeiro, Anna Faedrich, Anna Kiffer, Carla Miguelote, Livia Nathalia, Ryane Leão, Stephanie Borges, Tatiana Pequeno. Uma chance de completar a bagagem literária que, por mais pesada que volte da viagem, sempre cabe mais literatura.
Recomendações
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O livro das pedras, de Luiza Leite Ferreira
O Livro das Pedras é insistente. Briga, apanha, confessa, repete. Agudo como quem esmurra a ponta de uma faca, também é capaz de diluir golpes secos em busca do derramamento. Os poemas de Luiza Leite Ferreira são sonhadores não porque divagam ou fantasiam, antes porque suspendem o tempo para registrar a fluência do instante – tantas vezes for necessário.
A poesia da autora, como percebe Paula Maria no texto de orelha, toma corpo em “doses curtas e fortes de suas líquidas experiências, escutando atrás da porta sobre seus amores e sortes ou acompanhando a solitude de jogar pedras no vazio”. Vazio, poderia ser dito, tão sólido quanto as próprias pedras-palavras que se atiram.
O livro das pedras está em pré-venda até 03/11 no site da Benfeitoria. Para apoiar, basta escolher uma das faixas de apoio disponíveis, fazer um cadastro simples e fornecer informações de pagamento e endereço para entrega. As recompensas escolhidas serão enviadas quando a campanha terminar e você receberá todas as informações no email cadastrado. Apoie O livro das pedras aqui.
parabéns e obrigado, de danilo crespo
Em “parabéns e obrigado”, danilo crespo (tudo em minúsculas) tece uma narrativa poética intimista e visceral, na qual as memórias da infância, as dores da perda e as belezas simples da vida cotidiana se entrelaçam em uma trama de afeto e nostalgia. A morte do pai serve como catalisador, não para lamentações previsíveis, mas para uma arqueologia emocional que desenterra memórias e momentos em conjunto. crespo transforma o luto em um prisma, refratando experiências cotidianas, como peladas de futebol e jogos do Vasco, em versos que oscilam entre o real e o possível.
O livro do danilo crespo (que já deu as caras por aqui em Dores de Crescimento) está em pré-venda até 04/11. Apoie parabéns e obrigado aqui.
Para ler📚
Outros relatos da Flip
A Flip dos caminhos abertos, Henrique Rodrigues
Misteriosas forças ocultas atuam na Flip e agora também em mim, Thaís Campolina
Livros
Deserto sozinha, da Jeovanna Vieira. Publicado pela Pedregulho e disponível em ebook na Amazon. Leia um poema do livro aqui.
Nada a declamar, do Pablo Kaschner. Também pela Pedregulho, poesia pra quem ama um trocadilho e reflexões honestas e divertidas sobre o fazer poético. Leia mais do autor aqui.
A duração entre um fósforo e outro, livro de poemas da Zulmira Correia vencedor do 1º Prêmio Tato Literário — leitura de novembro da Casa das Poetas. Inscreva-se para nosso encontro aqui e compre o livro aqui.
E todos os livros que eu trouxe da Flip:
Esta publicação é gratuita, mas se você gosta do que escrevo e gostaria de me apoiar para além da leitura, pode me pagar um café no pix: luiza.leite.ferreira@gmail.com
Li com um misto de saudade e expectativa pela próxima Flip.