Eu me lembro até hoje das noites em que eu me revirava na cama sem conseguir achar posição para dormir porque minhas pernas doíam sozinhas. Dores de crescimento, diziam. Mas a dor persistia e eu seguia sem entender como era possível crescer dormindo e porque crescer doía tanto.
Eu não senti meu corpo mudar. Fora as mudanças óbvias da puberdade, eu não me lembro de crescer. Eu me lembro de sentir as coisas altas ficarem progressivamente mais fáceis de alcançar e de começar a esbarrar em quinas e paredes (o que nunca mais deixou de acontecer). Mas o meu rosto continuava igual – talvez um pouco mais alongado – e aquelas pernas pareciam as mesmas de sempre, ainda que fossem acumulando cicatrizes – vestígios de uma criança que não queria crescer?
Quando fiz 18 anos esperava me sentir adulta, mas eu mantinha a insegurança da adolescência ao navegar pela universidade. Quando me formei aos 24, esperava me sentir adulta, mas eu só tinha um diploma e nenhuma ideia do que fazer com ele. Quando fiz 30 anos em plena pandemia, eu já tinha uma carreira, mas não vi nada de glamoroso em pagar boletos. Esse ano farei 34 e estou equilibrando emprego, amigos, boletos, estudo, escrita e sinto as familiares dores nas pernas enquanto tento abraçar o mundo com elas. O que falta pra me sentir adulta de verdade?
Talvez esse adultecer não chegue nunca porque a gente nunca pare de crescer.
Carrossel
A cada volta do carrossel
me sinto mais longe do que já fui
e mais perto do que posso serDistante do que passou
e quase onde quero chegarEsticando os braços para o futuro
antes do passado me alcançarAté perceber
que nunca saí do lugar– poema do meu primeiro livro, É na cacofonia que eu me escuto (Caravana, 2022)
Correspondência
Inaugurando uma nova seção que pode ter longa vida ou acabar nessa mesma edição, convidei um amigo de longa data para uma participação especial nas Cartas para Ninguém, que assina o texto a seguir e inspirou o texto anterior.
Sobre amadurecer
Este ano decidi parar de escrever. Isso resultou em escrever quatro poemas ao longo dos cinco meses do ano até agora. Às vezes, não tem como não escrever. “Pessoas que criam coisas precisam expressar seus sentimentos, senão fica tudo uma droga”, ouvi essa semana assistindo ao anime Beck (2004). Parte de mim deseja só viver a vida sem ficar escrutinizando o mundo ao meu redor e no meu interior. Outra parte já fica satisfeita de perceber que há algo acontecendo, quando mais novo eu tomava atitudes das quais me arrependeria depois por não conseguir olhar o todo, pensar a vida. Amadurecer é confuso justamente porque não tem como ser ensinado. É algo que precisa ser vivido.
Hoje eu acordei triste sem nenhum motivo específico pra isso. Por um lado, tenho saído com amigos, velhos e novos. Por outro, tenho estado imerso na rotina de tentar cuidar da casa, do corpo e da cabeça enquanto trabalho em dois empregos que me ocupam de segunda a sábado. Grande parte da minha escrita vem de tentar enxergar cor nessa repetição entediante (e frustrante) de eventos. Estar com os amigos é um privilégio que não tomo como algo garantido, mesmo assim está cada vez mais comum sentir essa tristeza amorfa.
O que eu sinto é como uma versão muito lenta (chamada vida inteira) daquele feitiço que jogam no Harry Potter pra consertar os ossos quebrados, um processo realmente doloroso. Não é o mesmo que perder o brilho nos olhos que temos no colégio ou na universidade, apesar de muita gente associar amadurecer a botar os sonhos em segundo plano. É difícil colocar em palavras — o que me atrai. Esse desafio me faz sentar aqui e pôr essas frases em sequência até que alguma verdade seja revelada pra mim. E aí não me sinto mais tão deprê e cansado como quando eu estava ao acordar.
Tento não perder a atitude. Cuidar do trabalho e da própria vida vai se tornando aos poucos uma atividade que toma cada vez mais tempo. Em janeiro, fiz uma amiga que está no quinto ano de remissão do seu câncer de mama. Penso muito nela, que vive com essa sombra monstruosa atrás de seus pensamentos. É importante criar planos, botar os pés no chão, sim, mas é preciso ir vivendo até lá. Infinitas surpresas nos esperam, de todas as naturezas. Criar o simples é o mais complexo: a maturidade é conhecer a si e ao mundo ciente do relógio que segue de segundo em segundo.
Olho saudoso para meu rosto de dez anos atrás com uma cerveja barata, muita barba e cabelo, e meias furadas. Eu não me lembro como eu estava me sentindo, apesar da nostalgia querer me enganar. Não estava tudo bem, por mais que eu não tivesse as preocupações que eu tenho hoje. Eram só diferentes, como os tempos. A única coisa da foto que preciso para sorrir genuinamente sou eu mesmo e essa pessoa eu conheço melhor do que naquela época, tenho certeza.
maturidade
a roda
quando dá a volta completa
acaba no mesmo lugar
mas muito longe
Nascido em Niterói, danilo crespo é poeta, dramaturgo e professor. É autor de zen-budistas e furiosos (Urutau, 2021) e integra os coletivos Com Versar e Fazia Poesia. Acompanhe o danilo no Instagram: @dscres
Recomendações
Para ler📚
A face mais doce do azar, romance de Vera Saad. Editora Claraboia. Recebido na parceria literária com a com.tato
A sorte do sopro, poemas de Brunno Leal. Editora Urutau.
Para ver📺
Asteroid City, no Prime Video
Para apoiar💞
GRAD - Grupo de Resposta a Animais em Desastres PIX: 54465282000121
Livraria Taverna PIX: livrariataverna@gmail.com – fazendo um PIX a partir de 10 reais você pode concorrer a uma cesta cultural com dezenas de livros de artistas de Niterói. Para participar do sorteio, envie o comprovante da doação para publicaniteroi@gmail.com.
Eu amei os dois textos!!! 😍
Nossa, é o tema do momento. Conversei sobre isso essa semana com uma amiga. Sobre amadurecimento. Sobre o que é crescer. Sobre mudanças. Hoje eu me sinto de certa forma adulta, um pouco menos perdida que aos meus 20 anos, um pouco menos sabida do que esperava para os 30, mas adulta. Acho que ser adulta é isso, aprender a viver com a dor do crescimento, mas também saber lidar com essa dor, saber o que a gente precisa fazer, saber como se cuidar, se escutar, se curar. Amei. Me convida pra escrever com você <3 beijocas