Escrever é difícil
Escrever é difícil.
Escrever é muito difícil. Eu me engano quando digo que é fácil, tenho raiva quando lembro que escrevi um poema que diz exatamente “escrever é fácil”. Escrever não é nada fácil. Digitar palavras é fácil, dizer alguma coisa com elas não é nada fácil.
Hoje é domingo, 19h51 quando começo a escrever este texto. Eu tinha dois objetivos: ler os textos atrasados do mestrado e escrever um texto para a newsletter.
Comecei bem com a leitura de um texto teórico sobre a escrita de Virginia Woolf, “The novel as poem”, de Leon Edel. Sublinhei as partes importantes: a escrita de Virginia é refração, “aquarela de emoções”. Passo para a leitura de Mrs. Dalloway, que vamos discutir na próxima aula. É minha segunda leitura do texto, a primeira tem cerca de dez anos. Anoto um resumo do primeiro capítulo enquanto leio, notando a aquarela de emoções que Virginia pinta em seu texto. O expressionismo era o movimento artístico em voga à época da escrita de Mrs. Dalloway, 1925, e isso se reflete na forma como Virginia pinta seu romance. Clarissa Dalloway pensa e sente muitas coisas em uma simples ida à rua para comprar flores.
Logo troco Clarissa por Stephen Dedalus e avanço pelo segundo capítulo de Ulisses, de James Joyce, publicado em 1920. Stephen também pensa muito enquanto conversa com seu chefe estúpido e preciso fazer um esforço para separar o que Stephen pensa e olha enquanto conversa com o chefe e me concentro para perceber o que no discurso do chefe o denuncia como um ser estúpido – essa parte não é difícil. Minha manhã transcorre entre Clarissa e Stephen, Virginia e James, e quando vejo já deu a hora do almoço.
Depois de comer, me lembro que preciso escrever um texto. Na verdade, preciso escrever vários textos. Algumas resenhas, esta newsletter, algo sobre poesia para a outra aula que ainda nem tive tempo de pensar, um resumo para inscrever num seminário. Começo por uma das resenhas e quando vejo, já é noite. Uma tarde inteira para escrever um texto de uma página. Escrever pode ser difícil, bem difícil.
Mas parecia tão fácil! Eu li o livro, eu sabia o que queria dizer. Era só pegar as palavras e escrever. Mas precisei escrever e apagar e rearrumar e reescrever e mudar tudo de lugar e reler e pesquisar e ler mais um pouco e mudar o tom e reescrever e reler tudo – e acrescentar links e imagens para finalizar. Pronto, escrevi um texto. E agora, quantos ainda faltam?
Me distraio com conversas. Alguém precisa organizar a reunião de amigos no próximo fim de semana, quem vai levar o quê, o que vamos comer? Lembro que me comprometi a enviar uns e-mails para a organização do seminário – para o qual ainda preciso escrever um resumo até sexta-feira. O curso que fiz ano passado vai ter um módulo extra, começa no próximo sábado, online, depois presencial, quem pode participar? Não posso, mas me comprometo, o que é mais uma tarefa entre tantas outras, será que ainda tenho disposição para aprender a escrever algo novo – e será que vou conseguir escrever algo a partir dessas quatro aulas?
Eu devia editar os vídeos do evento de semana passada – eu devia escrever sobre o evento de semana passada. É isso, vou editar os vídeos. Os vídeos que meu pai gravou na horizontal e meu computador reproduz na horizontal, mas a cena está na vertical, preciso virar o pescoço para ver a cena. Será que dá para girar? No celular talvez dê, preciso passar os vídeos do computador para o celular e para um aplicativo específico, e editar. Os vídeos são longos, vou gastar umas boas horas de edição.
Abril já está no fim, ainda não fiz o imposto de renda. Preciso lembrar meu pai que ele também precisa fazer o imposto de renda. Alô, pai, já fez o imposto de renda? É até fim de maio, mas pelo sim pelo não, começa logo. Imposto de renda é fácil, já baixei o programa, vou copiar a declaração do ano passado, pouca coisa mudou. Na verdade, tudo mudou, será minha primeira declaração de imposto como autônoma, não sei como fazer isso, vou ter que pedir ajuda ao contador – mais um e-mail para enviar na segunda-feira.
Segunda-feira já tenho um trabalho para entregar, comecei na sexta, mas não terminei, vou concluir e entregar na primeira hora da manhã, sem falta. O resto do dia promete, mas à noite tem karaokê e jogos, ainda bem. Terça é feriado, dia de São Jorge, mas também Dia Mundial do Livro e do choro e vou ler poemas no Horto do Barreto em Niterói num evento da prefeitura, nunca fui ao Horto do Barreto, estou animada para ir pela primeira vez ao Horto do Barreto como convidada num evento da prefeitura. Depois, feriado, relaxar – só que não, prometi a um cliente que iria trabalhar, por quê?
Ainda preciso escrever a newsletter e me lembro que não li newsletters essa semana, minha caixa de entrada um grande depósito de newsletters não lidas, preciso começar já, liberar espaço, curtir todas as cartas, colaborar para as estatísticas dos amigos. Meus olhos ardem, mesmo com o filtro blue light dos óculos novos caríssimos os olhos ardem, talvez eu tenha ficado tempo demais olhando essa tela, talvez esteja na hora de parar. Oito e meia, começou o Fantástico, o domingo acabou e não escrevi a newsletter. Sempre posso deixar para a segunda – mas segunda tem trabalho e karaokê com jogos.
Escrever é difícil. Fiz o que deu.
Recomendações
Para ler📚
Dois poemas meus publicados na revista da
, um do Amor Recreativo e outro inédito.Delírios: vozes de amores não vividos, contos de Raisa Santos. Editora Paraquedas.
Máquina de costurar concreto, poemas de Amanda Ribeiro. Editora Peirópolis. Próxima leitura do clube Casa das Poetas, dia 24/04 às 20h – online!
Para ver📽📺
How I met your father, no Disney+/Star+. Série inspirada na comédia de sucesso How I met your mother, com Hilary Duff como a jovem de 30 anos tentando encontrar amor verdadeiro nos anos 2020.
Agenda📅
Na terça-feira 23/04 participo do evento Dia Mundial do Livro promovido pela Fundação de Arte de Niterói a partir das 11h. Vão ter 3 palcos espalhados pela cidade, me apresento no Horto do Barreto.
Quarta-feira, 24/04 é dia de Casa das Poetas!
Na segunda-feira, 29/04, converso com a
sobre o Amor Recreativo no clube do livro Quem quer ler às 19h, online. Chega junto, é só se inscrever aqui.
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escrever é difícil, principalmente porque cada palavra significa uma renúncia a muitas outras. então, é preciso escolher bem o que se vai dizer...
Eu amei esse texto. Me senti dentro da sua cabeça. Que se parece muito com a minha pelo jeito. Me deu um pouco de angústia porque sentia que precisava pegar um papel e um lápis pra fazer uma lista de prioridades pra você hehehehe. Um bjão!