Essa semana eu alimentei minha alma de cultura. Li poemas, li contos e fui ao teatro duas vezes. Gosto de me considerar uma apoiadora das artes, mas teatro duas vezes na semana não é algo muito comum para mim. Duas sessões de cinema no mesmo dia, sim, mas dobradinha de teatro foi a primeira vez.
Por acaso ou por destino, moro em uma das cidades que mais investem em cultura, e que tem ainda a honra de abrigar a Universidade Federal Fluminense, onde me formei jornalista, e que conta com um dos melhores espaços culturais do estado (bairrista, eu? Imagine...). Pois o teatro do Centro de Artes UFF foi o cenário das minhas aventuras da última semana, com o festival Literatura em Cena que trouxe 4 espetáculos com adaptações de literatura brasileira.
Na sexta-feira (07/07) assisti Uma apredizagem ou O livro dos prazeres, adaptação de Melise Maia para os palcos do livro homônimo de Clarice Lispector, que também ganhou filme ano passado (dá para fazer um textão só sobre essa dupla de adaptações). Aliás, conheci essa obra de Clarice primeiro pela adaptação de Marcela Lordy (visto no mesmo Centro de Artes UFF, olha só), só depois mergulhei no livro e quase emendei uma segunda leitura ao terminar a primeira, tamanha a saudade (ou fome) que tive da personagem Lóri.
No texto, Lóri é uma mulher que tem dificuldade para se enxergar como uma pessoa. Para viver como uma pessoa e sentir todas as sensações que pessoas sentem (tem um texto ótima da Carina Bacelar sobre o que é ser uma pessoa). Ela sofre e sente dor e medo de tudo que é maravilhoso porque passageiro. Seus monólogos internos se confundem com a voz de um narrador onisciente e com a voz de Ulisses, professor de filosofia que se apaixona pela força e a fragilidade da sereia que ele enxerga em Lóri. É pelo amor a Ulisses e sua entrega a esse amor que Lóri se permite sair da do casulo e viver.
Talvez seja meio clichê e até demodê essa ideia de libertação pelo amor, ou que uma mulher precise de um homem para ensiná-la a amar e a saber-se. Mas nada em Clarice é clichê. E não é Ulisses que ensina Lóri, mas a própria Lóri que usa Ulisses como pretexto para ela mesma se ensinar e aprender a viver com todas as suas dores e delícias.
Ver essa história no palco e as personagens nas peles de Melise Maia e Rafael Queiroz me trouxe de volta o deslumbramento e a sede de vida que senti na primeira leitura dessa maravilhosa Aprendizagem de Clarice, que já se tornou uma das minhas referências da vida.
Na quarta-feira (12/07), assisti ao espetáculo Tenho quebrado copos, um monólogo com a atriz Paula Furtado sobre a poesia de Ana Martins Marques.
Com ingresso comprado de véspera, cheguei ao teatro e tive a surpresa de ver a plaquinha de ingressos esgotados e a explicação de que seria uma sessão reduzida, para apenas 60 pessoas, e que deveríamos nos sentar no palco, em assentos não marcados.
Tendo me aventurado como “atriz” na adolescência, não era minha primeira vez em um palco de teatro, mas como plateia, tenho quase certeza de que sim. As cadeiras foram dispostas em quatro filas duplas que formavam um quadrado nas bordas do palco. Fiz questão de escolher um lugar bem na frente, quase dentro do espaço de cena.
A atriz entrou no palco toda de branco e começou a falar os poemas de Ana Martins Marques. Um após o outro, emprestando seu corpo e sua voz às palavras da poeta mineira. Repare que digo falar em vez de recitar. E ela falava, não como uma atriz a uma plateia, mas como uma mulher a uma amiga ou confidente. Ora se dirigindo a uma pessoa específica do público, fazendo contato visual, como se contasse uma história. Ora interagindo com objetos, abrindo uma mala e fazendo saltar dela palavras estrangeiras, bordando e desmanchando um bordado, enchendo uma taça de vinho ou uma bacia de mar. Num primeiro momento, não embarquei muito na performance; não encaixei a leitura da atriz na minha própria leitura dos poemas de Ana, que soam a mim tão leves e tímidos. Na fala de Paula, ganhavam peso e presença.
Mas logo me despi das minhas leituras e me deixei embarcar pela leitura da atriz, me permiti enxergar as palavras de Ana sob outra luz, outro ângulo, outra voz. Mergulhei na sua interpretação e em muitos poemas que ainda não conhecia (ou não lembrava de ter lido), mas mesmo os conhecidos e amados soavam novos aos meus ouvidos. E essa é a magia da palavra. A palavra é viva. A palavra que lemos hoje não tem o mesmo som ou cor ou peso ou significado que a palavra que lemos ontem ou leremos amanhã. Como a mala que arrumamos para quem parte, mas que só será usada por quem chega. E cada palavra na boca de uma pessoa diferente tem um som e um sabor diferente.
A palavra é viva e se renova a cada leitura. Textos clássicos são clássicos porque resistem. Seguem dizendo algo novo ou relevante a cada época que se lê, sem que se altere uma palavra em dez ou duzentos anos. Também a poesia resiste. À sua maneira. Porque mesmo que seja lida a um mesmo tempo e suas palavras não se alterem, cada pessoa traz um pouco de si para a sua leitura. A praia que Ana carrega nos bolsos não é a mesma de Paula, não é a mesma de Luiza. Cada palavra de um poema ganha os sentidos que atribuímos a ela. Uma pessoa que se despede em um poema ganha rostos e contornos infinitos. Quando leio um poema, é meu o sentimento, é minha a cena que o poema descreve. Mesmo que eu não carregue um isqueiro no bolso ou não quebre copos com tanta frequência. Porque um poema nunca é só sobre copos ou isqueiros. É essa a magia da poesia.
Ao final do espetáculo, houve um bate-papo com a atriz Paula Furtado e a biblioterapeuta Cristiana Seixas sobre a concepção da peça e a poesia de Ana Martins Marques. Recomendo acompanhar a peça no Instagram e ficar de olho se ela passar pela sua cidade.
Ainda sobre poesia, não resisti e fiz uma assinatura do clube do livro Círculo de Poemas, que em julho trouxe o livro Tradução na estrada, da argentina Laura Wittner (primeira autora convidada para a Flip 2023) e a plaquete De uma a outra ilha, da Ana Martins Marques. Quem quiser assinar o clube também, pode usar o cupom BOASVINDAS15 para ter 15% de desconto. A caixinha de julho já foi, mas a de agosto terá Paterson, de William Carlos William.
Agenda
No dia 22/07, vou participar do Encontro Niteroiense de Profissionais do Livro, na Biblioteca Parque de Niterói. Um evento com roda de conversa e oficinas de capacitação em diversas áreas para preparar escritores para publicação e divulgação da literatura niteroiense. Uma iniciativa da Fundação de Arte de Niterói a partir de demandas de escritores da cidade.
No dia 27/07, às 20h, meu livro de estreia É na cacofonia que eu me escuto vai ser tema do clube de leitura online Casa de Poetas. Dá uma passadinha se você já leu ou se ainda não leu mas quer conhecer minha poesia. Para participar é só se inscrever aqui ou no botão abaixo. É grátis!
E se tiver interesse em adquirir o livro, é só me mandar um e-mail: luiza.leite.ferreira@gmail.com ou comprar a versão e-book aqui (também disponível no Kindle Unlimited).
O que eu li essa semana
Com links para a Amazon porque sou uma escrava do capitalismo associada e recebo uns trocados de comissão ;)
Corpos benzidos em metal pesado, Pedro Augusto Baía
A orquestra dos inocentes condenados, Milena Martins Moura
Como se fosse a casa, Ana Martins Marques e Eduardo Jorge
O que eu ouvi essa semana
Emotional Creature (álbum), Beach Bunny
Foge de casa (single), Rebeca
Vampire (single), Olivia Rodrigo
Página Cinco (podcast), Rodrigo Casarin
Stranger in the Alps (álbum), Phoebe Bridgers
Minhas novas playlists Dream Pop (ou o que eu acho que seja Dream Pop, preciso aprender mais com a
) e July, só com músicas sobre o mês de julho (porque deu na telha).
Eu sou partidária de que não importa o nome ou o gênero, desde que a playlist seja boa (e é!). Achei foi chique fazer dobradinha de teatro 👏🏻
Gostei dos roles, bem que Niterói podia ser do ladinho de sp né? ✨