Um domingo de junho
É junho. Foi numa manhã de junho que Clarissa Dalloway saiu para comprar flores ela mesma. Eu queria (preciso) escrever sobre isso. Não aqui, mas também. Não saí para comprar flores, mas tentei observar a vida acontecendo ao meu redor como no romance de Virginia. Foi difícil; Niterói não é Londres, não havia muito acontecendo nesta manhã de domingo. Vi cachorros cochilando na calçada e achei a coisa mais linda. A fila do museu estava gigantesca, a fila da visita guiada à Ilha da Boa Viagem também estava grande. A praia estava cheia, crianças brincavam na areia. Minha primeira praia do outono. Já escrevi sobre ir à praia, não acho que tenha nada de novo a dizer sobre isso. O sol estava morno, a água estava gelada. Não vi tartarugas. Uma formiga subiu na minha canga, soprei-a de volta para a areia com muita delicadeza, mas ela voltava.
Visitei uma exposição. Não hoje, na quinta-feira. Uma casa toda sua, com curadoria de Isabel Portella, trouxe 14 obras de artistas mulheres em diálogo com o acervo de Eva Klabin e o livro Um teto todo seu de Virginia Woolf, na Casa Museu Eva Klabin, na Lagoa. Também preciso escrever sobre isso. Não aqui, mas também. Outro dia.
Hoje também é Bloomsday. O dia em que Leopold Bloom saiu de casa para passar o dia na rua e cruzar com Stephen Dedalus em Dublin no célebre romance Ulisses, de James Joyce. Que ainda estou lendo. Que eu deveria estar lendo agora.
Dezesseis de junho também é o dia que Jesse e Celine passaram juntos em Viena, de estranhos a amigos a amantes, no filme Antes do amanhecer, de Richard Linklater. Descobri a coincidência da data graças a um story da
(que não é coincidência coisa nenhuma. Linklater é fã do Joyce). Também foi num 16 de junho que Joyce saiu pela primeira vez com sua esposa Nora.Mrs. Dalloway, Ulisses, Antes do amanhecer (e suas continuações). Três narrativas que se passam em um só dia de junho. Talvez eu devesse escrever sobre isso.
Outro dia.
Ainda sobre memórias
Memórias são ficção, me lembrou o leitor
no comentário da carta de semana passada. E é verdade. Embora não se possa contestar um fato que aconteceu, a forma como nos lembramos dele é completamente enviesada por pontos de vista subjetivos, quando não reinventados pela nossa rica imaginação. Duas irmãs, uma mais velha e outra mais nova, terão memórias bem diferentes de uma mesma infância compartilhada. Da mesma forma, um casal que se separa pode, 20 anos depois, elencar diferentes motivos para o término, nenhum menos verdadeiro que o outro, apenas encarados sob diferentes perspectivas e circunstâncias.Também podemos alterar nossa ficção da memória ao longo do anos. Lembramos o que escolhemos lembrar, como escolhemos lembrar, como autores da nossa própria ficção. Se em um momento me vi como vítima de uma situação, posso mais tarde, sob um olhar mais maduro, redimir a culpa do meu suposto algoz; por outro lado, em outro caso, posso levar anos para reconhecer como violação o que antes parecia o início de uma história de amor.
Ao mesmo tempo que nos constitui, a memória pertence a um passado estático, imutável. O que passou, passou. Só podemos controlar o presente e especular o futuro. Nossas próximas memórias são criadas no agora. Que história vamos contar hoje para lembrar depois?
A você que me lê
Quando comecei esse projeto há quase um ano eu não tinha um rumo muito certo. Esperava alcançar leitores amigos, que me conhecem de outros cantos, por isso nem me preocupei em me apresentar. Quase um ano depois, cerca de 200 pessoas me leem aqui, e toda semana chega gente nova, muitas vindo dessa própria rede, através de recomendações de outros leitores-autores. Isso me deixa feliz, claro; embora não me incomode de escrever para Ninguém, é sempre um alento conversar com Alguém. Mesmo sem ter me apresentado, tem uma boa dose de personalidade derramada nessas cartas, o que ajuda quem chegou ontem a me conhecer um pouco mais. Só que agora eu quero conhecer você, que me lê.
Se você chegou por aqui há pouco tempo e a gente não se conhece de outros cantos, fica à vontade pra me dar um alô, contar um pouco de você, o que mais gosta de ler por aqui e o que gostaria de ler mais. Se você já é de casa, aproveita também pra pedir algum conteúdo específico. Às vezes eu me perco nos devaneios e esqueço que estou falando com muitos Alguéns.
Recomendações
Para ler📚
Para ver📺
Antes do amanhecer
Antes do pôr do sol
Antes da meia-noite
Agenda📅
Em junho a Casa das Poetas vai ler Carapuça da Giulia Amendola e o encontro acontece no dia 26/06 às 20h, online. Se inscreva aqui pra participar e nos siga no Instagram para ficar por dentro das próximas leituras.
Esta publicação é gratuita, mas se você gosta do que escrevo e gostaria de me apoiar para além da leitura, pode me pagar um café no pix: luiza.leite.ferreira@gmail.com
Não tinha a menor ideia dessa “coincidência” das datas! Agora que sei, vou deixar aqui o apelo pro universo: 16/06 deveria ser feriado!
nunca tinha reparado como junho se apresentava como um mês promissor...