Na última semana, fui convidada para participar da edição Lavradio Literário da Feira do Lavradio expondo meus livros no estande da Revista Lira. O convite foi em cima da hora, nem deu pra colocar na agenda da newsletter. Eu topei, mas tinha só três exemplares do Amor Recreativo e umas 5 edições artesanais da Fruteira para expor. Vai que a feira bombasse e toda a cena cultural carioca quisesse comprar minha produção poética? Eu precisava de mais material a mão.
Com esse empurrãozinho, tirei da gaveta (ou melhor, da pasta digital) uma plaquete que eu tinha começado a escrever no ano passado e que estava montada e diagramada desde maio, com o intuito de publicar um dia, no futuro, caso alguma editora se interessasse por ela. Nenhuma editora se interessou e eu decidi que o futuro era agora. Na quarta-feira revisei a diagramação para impressão. Na quinta-feira fui na xerox da universidade para imprimir e grampear as plaquetes. Na sexta-feira cortei papéis coloridos para fazer uma sobrecapa chamativa e no sábado levei os dez exemplares fresquinhos de Galeria de dias normais para expor na Feira do Lavradio.
Os poemas dessa plaquete foram escritos depois que visitei Inhotim em dezembro de 2022. Muitas instalações do maior museu a céu aberto do mundo repercutiram em mim e acabei transformando essas emoções em poemas. Escrevi ainda sobre duas instalações de Marina Abramovic e o fazer artístico para expandir o terma para arte em geral.
A plaquete não fez o sucesso imediato que eu esperava; pra ser sincera, poucas pessoas de fato se interessaram pelos títulos de poesia expostos – de obras de autores independentes presentes na feira a livros de poetas consagrados, além da revista exclusivamente sobre poesia, que não se encontra em qualquer banca ou livraria. As vendas foram fracas, de minha parte vendi 1 exemplar de cada uma das minhas produções, o que já é bastante; mas não pagou o lanche, o transporte, as horas longas sorrindo para estranhos e tentando convencê-los de que poesia vale ao menos 2 minutos de atenção.
No domingo, senti uma grande ressaca; não alcóolica, mas da alma. Me senti esgotada e desnorteada. Não que estivesse arrependida de ter ido à feira ou questionando se vale a pena viver de arte – essa questão vai muito longe –, mas me sentia esvaziada, incapaz de desfrutar de um momento de lazer, de uma leitura. Eu tinha acabado de parir mais uma obra, talvez estivesse sentindo o rebote desse movimento.
Colocar algo no mundo depois de tanto tempo te deixa com uma sensação de vazio; se pudéssemos, ficaríamos pra sempre escrevendo e montando o livro, mexendo e remexendo, fazendo e desfazendo, como Penélope, ou acrescentando textos e mais textos, como Sherazade, num movimento interminável que só traz prazer a quem cria. Mas toda criação precisa vir ao mundo um dia, é preciso compartilhar esse prazer também com outros olhares. Então eu imprimi os poemas, fiz uma embalagem bonita. E agora, o que vem depois? Esperar que sejam lidos, acolhidos, que repercutam. E sobre isso não temos o menor controle.
Naquele domingo preguiçoso, fiz o que estava no meu controle. Peguei as sobras dos papéis coloridos, fiquei olhando para eles. Me lembravam a instalação Invenção da cor, Penetrável Magic Square #5 de Helio Oiticica no Inhotim, que inspirou meu poema “Com palavras”, que por sua vez também toma inspiração de Um teto todo seu, da Virginia Woolf.
Na instalação de Oiticica, temos o que parece ser uma casa, com paredes coloridas e vazadas de diversas maneiras, mas sem portas ou janelas, apenas vãos por onde se pode “entrar”, sem forro no chão, só pedras, sem teto e sem nada dentro. Muito parecida com a casa muito engraçada de Vinicius de Moraes. No texto explicativo que consta no site do museu, leio que o “square” do título tem o duplo sentido de quadrado e praça. Historicamente, a praça é um espaço público a céu aberto onde as pessoas se reúnem para se manifestar politicamente e também comercializar produtos, como em uma feira. Feira onde se pode comprar de tudo, até poesia.
Juntei as formas coloridas em uma colagem que lembrasse o quadrado mágico de Oiticica, mas que também fosse algo só meu. Me deixei levar pelas cores, aos poucos fui dando novas formas àqueles quadrados de papel, criando combinações que talvez nunca tivessem me passado pela cabeça. Certamente eu nunca tinha trabalhado com tantas cores juntas antes. Fiquei satisfeita com o resultado. Não fiz uma casa nem uma praça, mas capturei uma emoção, acho.
Com palavras
Era uma casa
muito engraçada
não tinha teto
nem chão
nem portas
tinha paredes
em cores vivas
e janelas em formas geométricas
que se abriam para o infinito
deixando entrar
o sol e a chuva
os sabiás e as ervas-daninhas
e o espelho d’água
pela janelaNessa casa
onde não se come nem dorme
nem se vive ou trabalha
se respira
— o que já é muito mais
que outras casas proporcionamVirginia falou da necessidade
de ter um teto todo seu
Jarid só queria um buraco com seu nome
talvez eu só precise de paredes coloridas
com vista para a águaNem paredes, na verdade;
só a vista já me basta.
O resto, eu construo
Um ano de Cartas para Ninguém
Pisquei e já se passou um ano que escrevo essas cartas semanais. Essa realização me ocorreu no banho, como as melhores ideias que eu tenho. Eu já tinha aceitado que ia deixar o texto para o próximo domingo, quando me lembrei que o aniversário desta newsletter era justamente hoje, 09 de julho. Então arregacei as mangas e finalizei o texto que já estava rascunhado desde o domingo.
A todos que me acompanham por aqui, desde o primeiro mês ou da semana passada, meu muito obrigada. Não imaginei que fosse ter fôlego para escrever por tantas semanas seguidas. A constância é meu ponto fraco, e o motivo de eu ter me proposto esse desafio semanal, que agora vou precisar dar um tempo.
Não se trata de um hiato; já tenho uma edição de Correspondência planejada – no fim do mês, se tudo der certo, teremos um diálogo com a
. E estou escrevendo um longo ensaio sobre arte, mulheres e Virginia Woolf que pretendo trazer para cá, dividido em vários episódios. É algo que quero escrever sem pressa e compartilhar só quando estiver completo. Já experimentei como é publicar toda semana textos escritos ao longo de um, dois dias; agora quero tentar escrever algo mais lapidado, sem a pressão do prazo, compartilhando quando der, quando a minha rotina de estudos permitir. Espero poder contar com a leitura de vocês nessa nova fase.P.s.
Se quiser comprar a Galeria de dias normais (falei mais do projeto aqui) ou outra das minhas obras de poesia, escreve pra mim.
Recomendações
Para ver📽📺
My lady Jane!, série de fantasia e comédia no Prime que reimagina o destino trágico de Lady Jane Grey, primeira rainha a assumir o trono inglês em 1553 – após a morte de Eduardo VI, filho de Henrique VIII –, que ficou no poder por apenas 9 dias, tendo sido condenada à morte por sua prima Maria I (esta sim considerada oficialmente a primeira rainha da Inglaterra). O forte conflito entre protestantes e católicos que dominou o período é adaptado para a série de ficção como um conflito entre verdáticos, pessoas “puras”, e ethianos, pessoas que nascem com a habilidade de se transformar em animais e são rechaçadas pela sociedade – dá pra traçar paralelos com várias minorias. É uma série bem divertida e com um romance delicinha ao estilo haters to lovers, baseada no romance homônimo sucesso do NY Times.
Agenda📅
Dia 24/07, quarta-feira às 20h a Casa das Poetas bate um papo online com a
sobre seu livro Caminhos curtos para caracóis. É online e grátis, inscreva-se aqui.
Esta publicação é gratuita, mas se você gosta do que escrevo e gostaria de me apoiar para além da leitura, pode me pagar um café no pix: luiza.leite.ferreira@gmail.com
interessantíssimo esse diálogo com a obra do oiticica e o texto da virgínia woolf.
Parabéns!!! Vida longa às Cartas.
Um beijo.