São Paulo, 09 de agosto de 2024
Querida Luiza,
Esta carta já começou algumas vezes na minha cabeça, mas o tempo da escrita só se abriu hoje, no prazo final que você deu para o texto. Não vou pedir desculpas, acho que temos intimidade o suficiente para entender o tempo da outra – e isso me alegra. Acho bonito a forma como temos construído essa amizade, me lembra muito meus tempos da adolescência. Guardo coisinhas para te enviar pelo correio e fico muito alegre quando recebo suas cartinhas. Sinto que nos cuidamos, que estamos de olho uma na outra e me sinto, através da nossa amizade, crescendo. Sim, uma pessoa adulta ainda está em processo de crescimento. Que coisa.
Nesta semana as aulas na faculdade voltaram. Confesso que eu estava me sentindo bem estando de férias, estava com mais tempo para cuidar dos outros projetos… Mas agora terei que me adaptar novamente e organizar minuciosamente o tempo, essa coisinha tão preciosa e delicada. Por duas ou três vezes na semana tive que cochilar por uma hora entre uma jornada e outra, meu corpo pediu por arrego de verdade. Os últimos meses tem me exigido uma força extra e acredito que não vou aguentar mais tanto tempo esse batidão. Alguma coisa vai ter que ficar pra trás, porém, confesso: não quero decidir isso agora, deixa esse problema para a paulamaria do futuro… que pode ser apenas a paulamaria da semana que vem.
Estou produzindo uma nova zine, a maior que fiz até hoje. Creio que ainda levarei mais um mês para finalizá-la, é quase uma plaquete, mas ainda é zine. Esses limites conceituais são engraçados. A gente precisa tentar encaixar as coisas nos conceitos e nem sempre consegue, né? Também estou enrolada com editais, fazendo basicamente tudo sozinha – na verdade com minhas noias e minha empolgação em inventar modas – e torcendo para ter chance. No final das contas, o que tô querendo é isso: uma chance de me mostrar. Sinto que estou mais encorpada em 2024, que os projetos tomaram mais consistência e assim, sinto que tenho maior probabilidade de ser pelo menos classificada. Esse é meu foco agora, não sei como me sentirei ao final do mês quando vencem os prazos. De novo, um problema para meu eu futuro. Será que conto demais com o dia depois de amanhã?
Percebo que estou falando muito de prazos e tempo nesta carta. Já abri com uma <desculpa> e desdobrei o tema para outras bandas. O <tempo> é um dos meus temas preferidos e é claro que não sou diferentona por isso né? Sem dúvidas, ele é uma das maiores obsessões humanas, das temáticas mais desdobráveis nas artes, na literatura e na ciência. Esse senhor tão bonito, como canta o Caetano. Ou como pede a Fernanda Takai, que ele seja amigo e só a derrube no final. Fui pesquisar as músicas no google e acabei esbarrando com uma tese sobre as imagens do tempo na poesia da Hilda Hilst, outra obcecada pelo senhor de todas as coisas. Se o acaso me traz Hilda, deixo então um dos poemas que encontro nesta tese:
(Da morte. Odes mínimas. p.71)
Que o Tempo seja um bom companheiro e observador de nossa amizade. Que vele e cuide por nossas existências, até gentilmente nos derrubar para fora de seu círculo no final. Até lá, sigamos nos escrevendo.
Um beijo com saudades,
paulamaria.
Niterói, sexta-feira, 09/08/2024
Querida paulamaria,
Recebo sua carta numa semana em que também tenho pensado muito sobre o tempo, ou a falta dele. Agora mesmo eu tenho uma tradução para terminar, uma revisão para concluir, um guia de estilo para editar e duas tarefas do mestrado para começar. E daqui uma hora devo sair de casa se quero chegar a tempo à inauguração de uma exposição de arte do outro lado da Baía de Guanabara que eu cismei de encaixar na minha rotina atribulada. Uma teimosia, um lembrete de que minha vida não é só completar tarefas, mas também contemplar a arte e me deixar inspirar por ela — e, com sorte, escrever sobre isso.
Este é o primeiro texto que escrevo em algumas semanas. Ando sem tempo para a escrita, sem tempo para mim. Fico me cobrando: se não escrevo no diário, será que torno meus dias menos importantes? Se eu não enviar newsletters, será que vão me esquecer? Se eu não criar conteúdo, será que perco relevância? Se eu não publicar mais um livro, será que deixo de ser escritora?
O tópico publicar mais um livro tem me tirado o sossego. Desde março eu já tinha casa para o livro novo, mas precisei adiar o processo editorial por motivos de: tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, amarras contratuais, ainda promovendo o Amor Recreativo. Em junho, o livro novo parecia esquecido, mas em julho o projeto foi retomado. E agora agosto, novamente essa espera, ess angústia, que me faz questionar se eu preciso mesmo lançar outro livro, se ainda vai ter gente querendo ler meus poemas, se não é estupidez insistir nesse sonho tão ingênuo, com reconhecimentos tão tímidos. Me sinto dando murros em ponta de faca.
Terça-feira, 13/08/2024
Também me alegra receber suas cartas, descobrir as delicadezas que você me envia a cada vez e usá-las nas minhas colagens, nos meus cadernos, como se fossem figurinhas de um álbum que não tenho a menor pressa em completar. Tenho sentido falta do meu caderno, das minhas figuras. Outro dia mostrei-os a uma amiga da minha mãe que me viu crescer e estava nos visitando, senti um prazer tão grande com sua admiração e em explicar a história por trás de cada pedacinho que compõe aquelas páginas. Queria fazer o mesmo com você.
Assim como você, também acabo escrevendo muito sobre o tempo, a falta dele e sobre escrever. Essa duplinha sempre rende assunto, mas quem é que ainda aguenta ler sobre isso? Desculpe os leitores, mas falharei mais uma vez na originalidade.
P.s.: há mais de uma semana meu olho não para de tremer. Não é bem o olho, é mais a pálpebra. Meu médico disse que é estresse, vai passar, mas que se durar muito tempo, devo ver um neuro. Quanto tempo uma pálpebra pode palpitar até que se torne preocupante?
Sexta-feira, 16/08/2024
Querida paulamaria,
Faz uma semana que recebi sua carta e que ensaio vários trechos de resposta, uma espécie de diário da semana. Selecionei aqui alguns desses trechos, não sei se melhores ou piores. Sei que foi um ótimo exercício escrever para você e escrever sobre o que tenho feito, um retorno às minhas origens diarísticas.
Consegui finalmente começar um dos trabalhos do mestrado. É difícil começar. Como um quebra-cabeça, não consigo ver a imagem que se formará daquelas peças (ideias), mas quando começo a juntá-las, consigo divisar os contornos e entender melhor que imagem estou formando (ou que texto estou escrevendo). Chega a ser divertido, a ponto de eu pensar “por que demorei tanto?” Que coisa, né.
Também editei o guia de estilo do projeto voluntário que estou tocando na pós, e isso me deixou muito orgulhosa. Estou colocando velhas habilidades em prática novamente, habilidades que não exercitava há quase dois anos quando perdi o trabalho CLT. Gerenciar projetos, organizar processos, orientar pessoas, definir padrões. Quando tudo está em seu lugar e todos sabem o que fazer é muito mais fácil e prazeroso dar conta de qualquer coisa.
Estou chateda por não conseguir ir a São Paulo, mas orgulhosa do meu planejamento. A viagem fará falta agora, mas o tempo ganho não me preocupando com a logística disso será bem aproveitado, prometo. Preciso terminar todas as tarefas que estão a mão para poder me dedicar a outras, e isso agora parece possível, gerenciável. Organizar minhas prioridades, como diz minha terapeuta. E sem deixar a ansiedade tomar conta.
Uma coisa de cada vez.
Terça-feira, 20/08/2024
Querida paulamaria,
No domingo eu fui à praia. Eu me lembrei de como ir à praia e simplesmente fui. Arrumei uma mochila pequena com um livro, uma canga e uma toalha e caminhei com minhas próprias pernas até a praia mais próxima. Subi a ladeira, desci a ladeira, cheguei na orla. Desci a rampa até a praia, escolhi um pedaço de areia todo meu e fiquei lá, de biquíni, tomando sol, lendo Todo mundo tem mãe, Catarina, ouvindo os sons do mar e de pessoas na praia. Mergulhei no mar. Depois sequei o corpo ao sol. Caminhei um pouco mais. E vi as tartarugas.
Meu olho treme menos desde então.
Recomendações
Para ler📚
Palavra nenhuma, plaquete de poesia da Lílian Sais pela Círculo de Poemas.
O cordeiro e os pecados dividindo o pão, livro de poemas da Milena Martins Moura pela
.Todo mundo tem mãe, Catarina, primeiro romance da
que foi lançado na última sexta, no Rio. Comecei a ler no ônibus a caminho do evento e não larguei mais. Queria saber tudo sobre essa menina de 14 anos que descobre ter uma mãe prostituta e como isso influencia seu desenvolvimento e sua visão de mundo. Terminei a leitura na noite passada e já sinto falta das personagens. Que livro incrível!
Para ver📽📺
Casal improvável, no Prime Video. Uma comédia romântica com Seth Rogen e Charlize Theron sobre um jornalista palhação que começa a trabalhar na campanha de uma candidata à presidência dos EUA. Típica comédia zoeira, mas fofa.
Agenda📅
Domingo, 25/08 às 10h participo de um sarau em homenagem à poeta moçambicana Énia Lipanga na Sala Carlos Couto, em Niterói.
Esta publicação é gratuita, mas se você gosta do que escrevo e gostaria de me apoiar para além da leitura, pode me pagar um café no pix: luiza.leite.ferreira@gmail.com
Que delicia ler sua resposta, Lou. 💓💓💓
o tempo está sempre nos nossos calcanhares...